Notícia

Sobre a desinformação e o triângulo LGBTIfóbico da “ideologia de género”, família “tradicional” e “terapias de conversão”

No dia 8 de abril de 2024, Pedro Passos Coelho apresentou um livro chamado “Identidade e Família”, e as suas declarações, bem como as de outras pessoas co-autoras do livro, voltaram a trazer para o debate público a discussão sobre a chamada “ideologia de género”. Infelizmente, esta discussão remete as famílias LGBTI+ para a condição de alvo de chacota e violência, sendo usadas como bode expiatório para a suposta degradação moral da sociedade, gerando medo, incompreensão e polarização.

Por isso, importa desconstruir o que são estas palavras e reforçar a importância do diálogo.

  1. O género diz respeito às construções sociais, papéis, comportamentos e expectativas do que a sociedade considera “adequado” para homens ou mulheres numa determinada cultura. É diferente do sexo, que é o conjunto de características sexuais primárias e secundárias que definem as categorias de macho ou fêmea.
  2. “Ideologia de género” é uma expressão criada no seio mais conservador da Igreja Católica e utilizada por movimentos políticos e sociais para englobar as ideias que defendem a autonomia sexual e reprodutiva, a autodeterminação de género e a diversidade de orientações sexuais, identidades e expressões de género. Esse tipo de posicionamento não é acompanhado por toda a população católica. Esta expressão não possui qualquer validação académica nem é baseada em inúmeros estudos. Uma vez que todas aquelas ideias põem em causa uma visão binária e conservadora do género, defendida por estes grupos ultraconservadores, esta expressão foi sendo usada para “atacar” a comunidade LGBTI+ que desconstrói os papéis de género, a cisheteronormatividade e a família tradicional.
  3. As pessoas LGBTI+ não são a maior ameaça da família tradicional. Como família tradicional assume-se haver duas figuras estanques: a do pai e a da mãe. No entanto, sempre houve famílias monoparentais, famílias em que não existem nem pai nem mãe, tio, tia, avós, famílias sem crianças biológicas… O reconhecimento da autodeterminação de género põe em causa esta forma binária de olhar o mundo, no entanto as famílias LGBTI+ não ameaçam o valor da família: pelo contrário, enriquecem-no e expandem o seu significado para que este possa abarcar a realidade. A família dita tradicional não se encontra ameaçada, existe, sim, um reconhecimento de todos os modelos de famílias unidas pelo amor e pela entrega.
  4. Estes dois assuntos trazem-nos às chamadas “terapias de conversão”, que foram finalmente criminalizadas em Portugal em dezembro de 2023. Por “terapias de conversão” entendem-se todas as práticas que pretendam reprimir ou alterar a orientação ou identidade de género das pessoas. Estas práticas violentas constituem um abuso de poder sobre pessoas LGBTI+, mesmo quando levadas a cabo com o seu “consentimento” e para o seu “bem”. Assentam ainda no perigoso e errado pressuposto, veiculado pela falácia da “ideologia de género”, que a orientação sexual e identidade de género de uma pessoa são uma doença ou algo a ‘curar’. Estes pressupostos são, no entanto, contrariados pela OMS que retirou estas identidades da sua lista de patologias em 1990 e 2018, respetivamente.
  5. Apesar da invisibilidade histórica contra a qual lutamos, as pessoas LGBTI+ sempre existiram. Lutamos tanto pela manutenção dos direitos conquistados, como pelos que ainda estão por cumprir. A reversão de alguns direitos seria uma derrota para toda a sociedade portuguesa, para a democracia e para a liberdade. Cumprir o 25 de Abril é também proteger as populações e comunidades mais desprotegidas e discriminadas.

Explicadas as bases falaciosas do discurso que temos ouvido, lembramos que a tática de semear o medo, utilizada pelas forças de direita ultraconservadoras e de extrema-direita, é bem conhecida pela sua importação de outros países da Europa, do Brasil ou dos Estados Unidos da América. O seu duplo objetivo é também bastante explícito: polarizar as pessoas e os seus discursos, desumanizando minorias étnicas, religiosas imigrantes ou sexuais. 

Contra isto, dizemos que existimos e resistimos. Dizemos que não nos deixaremos instrumentalizar por um discurso violento, despido de ideias e repleto de preconceito. Dizemos que não temos medo e manteremos a luta pelos direitos das pessoas LGBTI+, olhando em frente e não dando passos atrás. Dizemos que permaneceremos orgulhosas, fortes e unidas como pessoas e comunidades que contribuem para uma sociedade mais livre.

10 de abril de 2024